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Artigo | Não olhe para cima

Por: LÊ NOTÍCIAS
03/01/2022 16:03 - Atualizado em 03/01/2022 16:08
Reprodução Leonardo DiCaprio em ação no filme "Não Olhe Para Cima" Leonardo DiCaprio em ação no filme "Não Olhe Para Cima"

Por Marina Autuori*

Um dos lançamentos cinematográficos mais comentados em 2021 foi a comédia “Não Olhe Para Cima”, dirigida por Adam Mc Kay e estrelada por Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep e Jonah Hill.

O filme conta a história de uma dupla de astrônomos medíocres que descobrem um meteorito em rota de colisão com a Terra. O asteroide teria potencial para destruir o planeta e a previsão indicava que o choque ocorreria em poucos meses.

A partir da descoberta, os cientistas sentem-se no dever de alertar as populações sobre o perigo iminente. Mas ninguém dá a mínima para eles, pois o mundo já começou a se habituar com fakenews, fazendo com que as pessoas passem a desconfiar das informações em geral e, especialmente, das mais alarmistas.

Porém, o que me leva a escrever este artigo são as questões psicológicas envolvidas nessa trama. “Não olhe para cima”! Do ponto de vista emocional o que representa essa frase no filme?

O significado de “Não olhe para cima” pode ser abordado por diferentes aspectos:

Em cima está o céu, o infinito, um espaço potencial de possibilidades diversas e inimagináveis, incontáveis. Embaixo está o chão, a segurança, a mesmice, o previsível.

Na verdade, precisamos dos dois para viver. O difícil é encontrar um equilíbrio que não nos faça sofrer.

O céu parece ser etéreo em demasia, quanto mais alto menor a gravidade, menor o controle, maior a sensação de leveza e de se deixar levar pela nossa própria natureza. O chão é firme, é seguro, oferece a sensação de amparo e promete garantias.

Sim, mais do que nossas possibilidades de viver e transformar a realidade, a promessa de segurança instiga nossa necessidade básica e imprescindível de ter esperança, de confiar.

Transformar a realidade é uma batalha árdua que nem sempre conseguimos empreitar, pois acabamos sendo sugados pelo sistema de seleção e validação social e muitas vezes somos alijados da sociedade sem possibilidade de reinserção. Somos penalizados e levados para o cárcere de nós mesmos e obrigados a nos redimir e pedir perdão.

Então, a memória procura saídas que nem sempre estão a mão. Lembro da velha frase que dizia que, para virar a mesa, antes, é preciso colocá-la em pé.

O problema em colocar a mesa em pé, é que, quando conseguimos, embora nem sempre seja possível, estamos tão cansados que sentamos na cadeira. Se não tivermos conseguido fazer cadeira, sentamos ou deitamos na mesa. E se a cadeira for de ouro, não vamos mais querer derrubar a mesa. E ainda iremos comemorar e retroalimentar o pacto social da ascensão.

O filme parece retratar uma sociedade blindada que não permite transformações estruturais. Então, deixando de lado a heroica, infindável, cansativa, malograda e frustrante batalha de mudar a sociedade, resta ao ser humano a dignidade de poder ser ele mesmo.

O que significa “você poder ser você mesmo”? Seria viver de acordo com suas necessidades emocionais básicas atendidas, numa primeira etapa da vida, por quem cuida da gente e, depois, numa segunda etapa, por nós mesmos?

Diga-me quais são as necessidades emocionais do Ser Humano, não aquelas descritas na Constituição Federal, nos Direitos Fundamentais, que também não são cumpridas e também são essenciais. Mas, sobre aquelas necessidades emocionais básicas e intrínsecas ao Ser Humano. Essas, sim, nos apreendem, nos tornam presas fáceis, nos fazem refém de promessas vãs e nos tornam prisioneiros de nós mesmos.

Impossível falar em necessidades humanas sem levar em conta a sociedade em que vivemos, partindo do princípio que o ser humano é um ser relacional, que cresce e se desenvolve a partir das relações com o mundo e com as pessoas, e que esse processo de desenvolvimento é inesgotável, ou seja, estamos em constante evolução. Sempre aprendendo.

Em uma sociedade regida pela lógica do sistema capitalista, o que se privilegia é sempre o capital, o lucro, em detrimento do ser humano e das relações sociais. Não vou me alongar em uma análise de um sistema capitalista, pois minha intenção é mostrar as necessidades humanas emocionais. No entanto, apontar o contexto onde essas necessidades estão inseridas é fundamental. A primazia do lucro promove relações sociais fragilizadas, pautadas na lógica de um interesse material.Fomenta o individualismo e a competição entre os homens. E desemboca na construção de uma sociedade extremamente desigual em termos de acesso a oportunidades, garantias de direitos e condições socioeconômicas.

E o que cabe ao Ser Humano em uma sociedade que não sustenta as suas ambições que não sejam materiais?

Aquele Ser que nasce extremamente frágil precisa de algum adulto que lhe ofereça cuidados para que ele possa continuar a viver. Ou seja, dizendo de outra maneira, o ser humano PRECISA ser cuidado por alguém para que possa não somente continuar vivendo, mas também para que possa se desenvolver. O desenvolvimento PRECISA, para acontecer, de um ambiente suficientemente bom, que assegure algumas condições intrínsecas para que o desenvolvimento aconteça.

Voltando ao início da conversa, o Ser Humano precisa minimamente se sentir bem com ele mesmo. Sentimentos fazem o ser humano e não as coisas materiais. Somos sentimentos. São nossos sentimentos que dizem se estamos bem ou se estamos em sofrimento.

Como no começo da vida, ao longo da vida o Ser Humano também precisa de bons relacionamentos e de algumas garantias para continuar seu eterno desenvolvimento. Contudo, depois de adulto, ele já não se encontra mais em uma situação de dependência de outro alguém que faça a função dos cuidados, ele mesmo já é capaz de cuidar de si. No entanto, será que alguns adultos não “aprendem” a cuidar de si mesmos e ficam na dependência eterna de uma provisão ambiental externa que lhes assegure o sentimento de segurança, confiança e esperança?

Imagino que exista sim essa possibilidade, uma vez que a confiança não foi estabelecida na primeiríssima infância, gerando assim um sentimento de ameaça constante e de aflição angustiante. Não sei exatamente descrever em números, mas leio sobre o aumento da Depressão e o aumento do Suicídio, principalmente entre jovens e crianças. O Brasil é um dos maiores consumidores de remédios psicotrópicos, como o Rivotril e antidepressivos. Atire a primeira pedra quem nunca usou? Ainda que por um período breve na vida?

Sem esperança e um mínimo de confiança e segurança em si mesmo e na vida o Ser Humano sucumbe. Não há possibilidade de vida, de alegria, de investimento, de criação, de transformação. A força dessa necessidade é tão imperiosa que o Ser Humano é capaz de comprar Esperança, por exemplo quando a religião lhe oferece uma salvação.

Nada contra religião ou medicação. Só não deveriam fazer uma função que poderia ter sido “construída” nos primórdios do desenvolvimento emocional do Ser Humano.

O que acontece é que a segurança, a confiança e a esperança são condição sine qua non para que o Ser Humano possa ser ele mesmo, para que esteja bem com seus próprios sentimentos, para que encontre um sentido para a sua vida e consiga promover mudanças no mundo, ainda que pequenas e quase invisíveis, tornando a vida de todos um pouco melhor.

Quando o Ser Humano tem um problema ele vai procurar uma solução. Atualmente a solução é oferecida a ele, mas infelizmente como ferramenta de manipulação. Eu te dou segurança, mas você me dá a sua vida em troca, que seja em forma de trabalho precarizado, ou como dízimo na igreja, ou como alegria controlada por medicação. Dentre tantas outras maneiras de aprisionamento. E o Ser Humano imagina ter encontrado a liberdade e o equilíbrio enquanto na verdade encontrou a solidão e a prisão.

Ainda que o cenário do filme retrate essa sociedade caótica acima descrita, onde os seres humanos vivem na base da dependência de estímulos externos para encontrar sentidos para a vida, o final do filme retoma a esperança, esperança em bons relacionamentos, em trocas afetivas e significativas que dão sentido à vida, ainda que anunciando o encontro com o fim. Fim da vida, fim do mundo. Mas não estamos todos aqui a encontrar o mesmo final no final? O fim da nossa vida não significaria o fim do mundo do nosso ponto de vista? E o que vem depois, ninguém saberá afirmar com certeza absoluta. Por isso a confiança e esperança precisam estar minimamente presentes dentro da gente, também para sustentar a eterna impermanência da nossa própria existência.

* Doutora em Psicologia pela PUC Campinas, mestre em Psicologia pela UFRJ, especialista em Saúde Mental Infanto-Juvenil pelo IPUB/UFRJ e graduada em Psicologia pela PUC Rio.


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